Câncer de pelve renal e ureter é neoplasia rara. Os tumores uroteliais do trato urinário superior (upper urinary tract) primários são definidos como neoplasias localizadas do pequeno cálice na pelve renal até o ureter. Entretanto, após seu tratamento, o carcinoma urotelial pode recorrer em todo urotélio, com tendência a multifocalidade, principalmente os da pelve renal. A exposição aos carcinógenos excretados ou ativados por enzimas hidrolizadoras na urina podem causar o carcinoma urotelial. Correspondem a 5-10% dos tumores uroteliais, sendo os pielocaliciais mais comuns que os ureterais e podem estar associados a várias síndromes familiares.

Em 90% dos casos são carcinomas urotelias, 8% espinocelulares (associados a infecção crônica e cálculo e geralmente invasivos) e a raros adenocarcinomas. Por isso, o prognóstico está relacionado ao estádio e grau do tumor, mas outros fatores patológicos corroboram no planejamento do tratamento, prognóstico e seguimento. Ao diagnóstico, 60% são invasivos e a incidência de metástase linfonodal varia de 30-40% dos casos. Portanto, o uso mais frequente dos métodos de imagem e da endoscopia têm provocado o seu diagnóstico em estádios menos avançados.

220620970_avo_neto_tocando_violao
câncer de pelve renal e ureter
  1. Epidemiologia do câncer de pelve renal e ureter

O pico de incidência dos carcinomas uroteliais do trato urinário superior está entre 70-80 anos, sendo raro antes dos 40, três vezes mais frequentes nos homens e sem predileção ao lado.

De 80-90% dos carcinomas uroteliais do TUS são esporádicos e de 10-20% podem estar ligados ao carcinoma colorretal hereditário não-polipose (HNPCC).

Em 13-17% dos casos, o câncer de bexiga é concomitante a neoplasia no tumores do trato superior e em menos de 3% são sincrônicos e bilaterais.

Os portadores de neoplasia primária do tumores do trato urinário superior evoluem com câncer de bexiga de 22-47% e no trato urinário contralateral 2-6%.

Nos EUA, ocorre 1 caso novo em 100.000 habitantes/ano. No entanto, estas taxas variam pela exposição a carcinógenos na população mundial.

Epidemiologia do câncer de pelve renal e ureter

A epidemiologia dos tumores do trato urinário superior é similar a do câncer de bexiga e os fatores de risco incluem: tabagismo (smoking) (2,5-7 vezes maior que nos não-fumantes), exposição a produtos químicos (tintas, petróleo, plásticos, borracha e couro), irritação crônica (cálculo e infecção), abuso de analgésicos contendo fenacetina, nefropatia endêmica nos países Bálcãs, nefropatia da erva chinesa, exposição a ciclofosfamida e ao arsênico. Por isso, o risco diminui em ex-fumantes, mas com risco de 2 vezes em relação a não-fumantes.

A nefropatia secundária ao abuso fenacetina causa insuficiência renal por necrose papilar, capiloesclerose (aumento da membrana basal é patognomônico) e tumores do trato urinário superior. A necrose papilar e o consumo de fenacetinas parecem ser fatores independentes e aumentam o risco se associadas. Cada uma apresenta risco relativo de 6,9 e 3,6; respectivamente, mas juntas aumentam o risco 20 vezes. Nas regiões onde ainda se usa fenacetina, a incidência de tumores do tumores do trato urinário superior pode representar até 24%, com risco relativo que varia de 2,4-12 vezes e a relação masculino-feminino e a média de idade na apresentação é cinco anos menor. Tumores associados a fenacetina quase desapareceram após ser banida em alguns países em 1970.

Doenças raras relacionada ao carcinoma do TUS

A maior incidência mundial do carcinoma urotelial do tumores do trato urinário superior ocorre nos países Bálcãs, principalmente nas áreas rurais, com 40% de todas as neoplasias renais e vem diminuindo nos últimos anos. Além disso,  risco de tumores do tumores do trato urinário superior é 100-200 vezes maior, mas curiosamente, o risco do câncer de bexiga não se altera. Como na nefropatia por uso de analgésicos, também na nefropatia dos Bálcãs pode ocorrer bilateralidade e múltiplos tumores. Diagnostica-se mais comumente entre as 3a e 5a décadas de vida e a incidência de tumores bilaterais é cerca de 10%. Entretanto, desconhece-se a etiologia, mas pode se associar à silicatos na água e/ou toxinas fúngicas de alimentos consumidos, como ocratoxina A.

Recentes estudos revelaram que o ácido aristolóquico contido na Aristolochia fangchi e A. clematis é o principal carcinógeno. O derivado do ácido aristolóquico, a dA-aristolactam causa uma mutação no gene p53 no códon 139 e ocorre principalmente em pacientes com nefropatia das ervas chinesas ou endémica dos Bálcãs. A nefropatia da erva chinesa está associada a neoplasias do tumores do trato urinário superior em 90% dos casos.

Doença de Blackfoot

Blackfoot disease é uma doença vascular periférica, devido à exposição crônica ao arsênico. É endêmica em Taiwan e com alta incidência de insuficiência renal e tumor do tumores do trato urinário superior. A causa pode estar relacionada à ingestão de água de poço. Pacientes expostos apresentam sobrevida em 5 anos de 58,7% e os não-expostos de 72,4%.

Várias síndromes familiares estão associadas aos tumores do tumores do trato urinário superior, como o carcinoma não-polipóide colorretal hereditário (síndrome de Lynch II e síndrome de Muir-Torre). A síndrome de Lynch II é caracterizada pelo desenvolvimento precoce de tumores colônicos (sem polipose) e extracolônicos, incluindo os carcinomas uroteliais do trato superior. Estes tumores ocorrem em pacientes mais jovens, com média de 55 anos, mais de 22 vezes que na população geral. As mulheres são mais afetadas. Por isso, o aconselhamento genético é importante para conhecer o risco de doença símile entre seus familiares.

Classificação histológica do câncer de pelve renal e ureter

A classificação dos tumores do trato urinário superior são similares aos câncer de bexiga. O aspecto endoscópico é semelhante aos carcinomas uroteliais papilíferos não-músculo invasivos, carcinoma in situ e os invasivos. Identificam-se as mesmas variantes descritas nos câncer de bexiga nos tumores do trato urinário superior e sempre o carcinoma alto grau apresenta pior prognóstico do que o urotelial puro. As variantes estão presentes em aproximadamente 25% dos casos e são elas: micropapilar, plasmocitóide, carcinoma de células pequenas (neuroendócrino) ou variantes linfoepiteliais. O carcinoma urotelial do trato urinário superior com histologia pura não-urotelial é uma exceção. O de células escamosas do trato urinário superior representa menos de 10%, entretanto, é raro no ureter e pode estar associado a doenças inflamatórias e infecciosas crônicas decorrentes de urolitíase.

Grau tumoral

A classificação da OMS considera dados histológicos para distinguir tumores não-invasivos: carcinoma urotelial papilar de baixo potencial maligno, carcinomas de baixo grau e alto grau. Raros tumores de baixo potencial maligno são vistos no tumores do trato urinário superior.

Estadiamento dos tumores do TUS pelo sistema TNM (2009), da União Internacional Contra o Câncer (UICC).

O tumor primário é classificado em TX: Tumor primário não pode ser avaliado; T0: Sem evidência do tumor primário; Ta: Carcinoma urotelial papilífero não invasivo; Tis: Carcinoma in situ: “tumor plano”; T1: Carcinoma papilífero invade o tecido conjuntivo subepitelial; T2: Tumor invade a camada muscular; T3: (Tumor da pelve renal) Tumor invade além da muscular até a gordura peripelvis ou parênquima renal (Ureter) Tumor invade a gordura peri ureteral; T4: Tumor invade órgãos adjacentes, ou invade rim com comprometimento da gordura perinefrética

Os linfonodos regionais em NX: Linfonodos não podem ser avaliados; N0: Ausência de metástase em linfonodo regional; N1: Metástase, em um único linfonodo, com 2 cm ou menos em sua maior dimensão; N2: Metástase, em um único linfonodo, com mais de 2 cm até 5 cm em sua maior dimensão, ou em múltiplos linfonodos, nenhum com mais de 5 cm em sua maior dimensão; N3: Metástase, em linfonodo com mais de 5 cm em sua maior dimensão. A metástase distante em MX: Metástase distante não pode ser avaliada; M0: Ausência de metástase distante; M1: Metástase distante

2.3       Diagnóstico do câncer de pelve renal e ureter

O sinal mais frequente da presença de carcinoma uroteliais do trato urinário superior é a hematúria, seja macro ou microscópica e ocorre em 60-80% dos pacientes. A dor no flanco ocorre em 20-40% e massa lombar palpável em 10-20%. Contudo, a dor pode ser leve e crônica, sendo secundária a obstrução gradual das vias excretoras, causando hidronefrose (Hydronephrosis); ou pode ser intensa e aguda, mimetizando cólica renal, geralmente causada por obstrução por coágulos. Até 15% dos pacientes são assintomáticos e diagnosticados por exames de imagens indicados por razões diversas. Contudo, mais raramente, podem ocorrer sinais e sintomas de doença neoplásica avançada.

2.3.1    Exames de imagem

A urografia excretora pode detectar alterações no sistema pielocalicial, mostrando distorções, obstrução e falhas de enchimento causada pelo carcinoma urotelial. Entretanto, a tomografia computadorizada (computed tomography) (TC) é o exame padrão ouro para o diagnóstico. A sensibilidade da TC pode chegar a 96%, com especificidade de 99% para lesões papilíferas entre 5-10mm. Entretanto, geralmente não se visualizam lesões menores que 5mm ou CIS. A TC e/ou ressonância avaliam os linfonodos, mas os resultados são modestos se menores que 1 cm. Além disso, avaliam metástases viscerais, esqueléticas e a funcionalidade do rim contralateral.

Em pacientes com diagnóstico incerto, a ureteroscopia e pielografia melhoram sua avaliação. Todavia, a obstrução é sinal de doença avançada e confere prognóstico mais reservado para evolução da doença. Todavia, a doença pode em raros casos, principalmente em herança familial, ter apresentação bilateral e merecer conduta conservadora.

2.3.2    Ureteroscopia com biópsia

Os avanços técnicos introduziram os ureteroscópios de pequeno calibre e flexíveis, facilitando o acesso aos cálices em pacientes com suspeita e sem diagnóstico pelos exames de imagem. A acurácia do diagnóstico aumentou de 75% com uso da urografia excretora para 85-90% com a ureteroscopia. Há boa correlação histológica (78% a 92%) entre a biópsia e espécime pós-nefroureterectomia. A aparência da lesão na ureteroscopia se correlaciona com grau e estádio do tumor em apenas 70% dos casos. Entre os tumores de baixo grau na biópsia, 85% a 100% são não-invasivos; entre os tumores de alto, 60% a 90% são invasivos. A ureteroscopia flexível é fundamental para preservação renal.

2.3.3    Citologia oncótica urinária

Citologia oncótica urinária deve ser realizada antes da pielografia, pois o contraste pode deteriorar o espécime. Portanto, é útil no diagnóstico, principalmente se associada a exames de imagem. Em geral, a sensibilidade da citologia depende do grau do tumor e varia de 20% para tumores de baixo grau até 75% nos de alto. Quando a citologia é incorporada a exames de imagem e ureteroscopia com biopsia, o valor preditivo positivo de doença não-órgão confinado chega a 73% quando três variáveis são alteradas (hidronefrose, tumor de alto grau e citologia positiva). A citologia oncótica é essencial no acompanhamento de pacientes submetidos a ressecção com preservação renal pelas altas taxas de recorrência. Após nefroureterectomia, a citologia ajuda no diagnóstico de recidivas vesicais, podendo chegar a 50% e de tumores contralaterais, que ocorre de 2-4%.

2.3.4    Fatores prognósticos do câncer de pelve renal e ureter

Pacientes mais idosos apresentam doença mais avançada, com pior SCE e relacionada ao grau mais indiferenciado do carcinoma urotelial. O sexo não tem influencia na SCE, mas o IMC >30 é preditor independente de pior SCE. Portanto, o estadiamento é o fator prognóstico de sobrevida mais importante e piora à medida que aumenta. A diminuição mais significativa ocorre em pacientes pT3, onde há invasão da gordura perirenal ou periureteral.

A análise multivariada, ajustando para local do tumor e idade, a hidronefrose e tumor de alto grau foram associados com carcinoma urotelial músculo invasivo (HR 12,0 e 4,5, respectivamente), mas não com a citologia oncótica (HR 2,3; p=0,17). Contudo, as três variáveis foram associadas independentemente com doença não-órgão confinada (HR 5,1; HR 3,9; e HR 3,1; respectivamente). Devido à associação frequente entre os tumores do trato urinário superior e de bexiga, a cistoscopia é mandatória para excluir a presença de tumores sincrônicos (que aparecem ao mesmo tempo).

Outros fatores de pior prognóstico descritos são: necrose tumoral, invasão linfovascular e carcinoma in situ. Yto et al. avaliaram pacientes com hidronefrose, que foi associada com tumor ureteral, maior estádio pT e invasão linfovascular (todos, p<0,05). Na análise multivariada pré-operatória, a hidronefrose foi fator preditivo para estádio patológico mais avançado (HR 4,98), invasão linfovascular positiva (HR 6,37) e grau 3 (HR 2,98). Necrose tumoral maior que 10% pode ser fator preditor independente para SCE.

A invasão linfovascular está relacionada à micrometástase, sendo preditor de pior SCE por estar relacionada com aspecto séssil do tumor, invasão linfonodal, alto grau tumoral e CIS, caracterizando desta forma, os pacientes suspeitos para doença disseminada oculta ao diagnóstico. Estudo multi-institucional em pacientes submetidos à nefroureterectomia mostrou que a localização do tumor na pelve ou ureter não foi preditor de recorrência vesical, metastática ou de SCE.

Carcinoma in situ

O carcinoma in situ na bexiga é fator de risco independente para desenvolvimento de tumor no TUS. A SLD e SCE em 5 anos é de 53% e 59% nos pacientes com CIS prévio vesical e de 71% e 75% naqueles sem história de CIS vesical, fato confirmado como preditor independente para recidiva da doença e SCE depois da nefroureterectomia (todos, p<0,05).

A taxa de SCE em 5 anos dos pacientes com tumores pT1N0, pT2N0, pT3N0, pT4N0 e pN(1-3) foi respectivamente, 93,5; 86,2; 64,5; 54,7 e 35%. Pacientes pT1-2N1-3 e pT3-4N1-3 foi respectivamente 68,9 e 28,7% (p=0,006). Na análise multivariada, estádios pT e pN e grau tumoral (todos, p<0,001) foram preditores independentes da sobrevida. Rosigno et al. avaliaram 148 tumores classificados como pT3a e 136 pT3b. Pacientes pT3b tinham tumores de alto grau, séssil (p=0,02) e maior risco de recorrência em 5a.: 55% versus 42%, (p=0,012) e SCE de 48% versus 40%, (p=0,04). Contudo, a invasão linfonodal, arquitetura tumoral e invasão linfovascular estão associadas com SCE.

Fatores preditores para carcinomas do TUS

Em estudo de meta-análise de 18 instituições com 8275 pacientes, todos com mais de 100 pacientes, a média de tempo para o aparecimento dos carcinomas uroteliais do trato urinário superior foi de 22,2 meses e ocorreu em 29%. Os preditores específicos significativos para recidiva vesical foram: sexo masculino (HR 1,37), CaB prévio (HR 1,96) e doença renal crônica pré-operatória (HR 1,87). Os fatores preditores específicos do tumor foram: citologia urinária pré-operatória positiva (HR 1,56), localização ureteral (HR 1,27), multifocalidade (HR 1,61), pT invasivo (HR 1,38) e necrose (HR 2,17).

Os preditores específicos do tratamento foram: abordagem laparoscópica (HR 1,62), remoção extravesical do manguito vesical (HR 1,22) e margens cirúrgicas positivas (HR 1,90).

Fatore de risco para recorrência do câncer de pelve renal e ureter

Há 4 fatores de risco para recorrência no trato urinário superior após cistectomia:

  1. Tratamento do carcinoma urotelial

Indica-se o tratamento do carcinoma urotelial do trato urinário superior com preservação renal para tumores de baixo grau e mesmo com rim contralateral funcionante (tumor único e <1cm, sem evidencia de lesão infiltrativa na TC), com indicação imperativa, mesmo para tus. de alto grau (rim único, tus. bilaterais e IRC). Por isso, deve ser feito com ureteroscopia flexível, cirurgia percutânea renal ou ureterectomia distal, com resultados oncológicos similares. Indica-se também a última para tumores de alto risco.

Pacientes com tumor de alto grau independente da localização, multifocalidade, tumor não-invasivo >1cm e com aspecto invasivo na TC está indicada a nefrouretercetomia e linfadenectomia. Contudo, deve-se remover o manguito vesical por ressecção endoscópica. Os linfonodos (gânglios) são mais acometidos conforme o estádio. Pode ser feita com laparoscopia ou robótica, mas a aberta é preferível para os cT3 e linfonodos suspeitos na TC.

Caso você queira saber mais sobre esta e outras doenças do trato gênito-urinário navegue no site: https://www.drfranciscofonseca.com.br//  para entender e ganhar conhecimentos. São mais de 145 artigos sobre os principais temas da urologia. A cultura sempre faz a diferença. Você vai se surpreender!

Referências bibliográficas

1) Rouprêt M et al. European guidelines for the diagnosis and management of upper urinary tract cell carcinomas: 2016 update. 2) Ye YL el al. Urol Int. 2011;87(4):484-8. Review. 3) Raman JD et al. Urol Oncol. 2011 Nov-Dec;29(6):716-23. 4) Brien JC el al. J Urol. 2010 Jul;184(1):69-73. 5) Roscigno M el al. BJU Int. 2012 Sep;110(5):674-81. 6) Ito Y el al. J Urol. 2011 May;185(5):1621-6. 7) Youssef RF el al. Urology. 2011 Apr;77(4):861-6. 8) Favaretto RL el at. Eur Urol. 2010 Oct;58(4):574-80. 10) Seisen T el al. Eur Urol. 2015, 67: 1122-8. 11) Seisen T et al. Eur Urol. 2016, 70: 1052-68.